Procuradoria denuncia Eduardo Cunha e Fernando Collor ao STF Leia mais sobre esse assunt
BRASÍLIA – Acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) tornou-se nesta quinta-feira o primeiro presidente da Câmara no exercício do cargo a ser denunciado pelo Ministério Público Federal. A denúncia enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirma que Cunha recebeu propina de US$ 5 milhões (R$ 17,3 milhões) de um total de US$ 40 milhões (R$ 138,6 milhões) pagos aos integrantes do esquema, que envolve o lobista Fernando Soares, o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró e o empresário Júlio Camargo. Segundo o MPF, o dinheiro saiu de contas da Suíça, passou pelo Uruguai e foi repassado a Cunha e seus aliados. Janot sustenta na denúncia que parte da propina destinada ao presidente da Câmara foi paga em doação para uma igreja Assembleia de Deus ligada a ele. Caso o Supremo aceite a denúncia, Cunha se tornará réu.
O pagamento teria sido feito para facilitar a assinatura de contratos de aluguel de navios-sonda entre Samsung Heavy Industries e a Petrobras. Também foi denunciada a ex-deputada Solange Almeida (PMDB), atual prefeita de Rio Bonito por corrupção passiva. Na denúncia, Janot pede que Cunha e Solange Almeida devolvam US$ 80 milhões (R$ 277,3 milhões) aos cofres públicos. Deste total, R$ 138,6 milhões correspondem aos valores desviados dos contratos da Petrobras com a Samsung. Outros R$ 138,6 milhões são multas para reparação dos danos causados à Petrobras.
Segundo o procurador-geral, a propina a Cunha e a outros supostos envolvidos nas fraudes foi paga no Brasil e no exterior, com contratos de consultoria fajutos, emissão de notas fiscais frias e até transferência para a Igreja Assembleia de Deus. O dinheiro da fraude teria sido repassado à igreja a título de doação de caráter religioso.
A denúncia contra o presidente da Câmara está baseada principalmente no depoimento de Júlio Camargo, que fez delação premiada na Operação Lava-Jato. Não há documentos que comprovem que o dinheiro foi entregue a Cunha. Também são citados depoimentos do doleiro Alberto Youssef, também delator. As acusações têm como suporte ainda extratos de movimentação financeira de Camargo, Youssef, do lobista Fernando Soares, o Baiano, operador do PMDB de Cunha no esquema de corrupção na Petrobras, do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, entre outros.
O procurador-geral também destacou na acusação a identificação de dois requerimentos de informação que teriam sido usados por Cunha e Solange Almeida para pressionar Camargo a pagar parte da propina. Em março, O GLOBO revelou que a então deputada Solange Almeida, aliada de Cunha, fizera dois requerimentos no dia 7 de julho de 2011 solicitando informações ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao Ministério de Minas e Energia sobre todos os contratos, auditorias, aditivos, processos licitatórios do Grupo Mitsui e de Júlio Camargo com a Petrobras.
A denúncia detalha diversas provas de que Cunha foi o real autor dos requerimentos. O episódio é motivo para aumento de pena, como consta na peça de Janot, por ter havido “infringência a dever funcional”. Os dois requerimentos de Solange basearam em justificativas “genéricas e falsas”, segundo Janot. “O teor da justificativa do requerimento já era indicativo de que se buscava não um objetivo republicano, mas sim, especificamente, ‘investigar’ apenas as pessoas e empresas envolvidas no pagamento de propinas, que haviam cessado tais pagamentos, como forma de constrangê-las”, afirma a denúncia.
A conta de Cunha no sistema de informática estava logada no exato momento da
elaboração dos documentos. Sua senha pessoal e seu login foram utilizados no trabalho. “Dep. Eduardo Cunha” apareceu como o real autor dos requerimentos no sistema
informatizado, como revelou o jornal “Folha de S.Paulo”. E mais: os dois deputados estavam conectados ao computador da Câmara no mesmo momento. Seria impossível Solange ter elaborado o documento sem que sua identificação aparecesse no sistema.
O TCU e o Ministério de Minas e Energia encaminharam as repostas solicitadas supostamente por Solange, mas nenhuma providência foi tomada pela deputada, o que para o MPF é mais um indício de que a iniciativa serviu apenas para chantagear a empresa pagadora de propina, conforme a acusação.
A denúncia lembra que Solange “nunca tratou de fiscalização de verbas públicas”, e afirma que que Cunha “já se valeu dos serviços de Solange” para pressionar outra empresa, a Schain Engenharia, que travava uma disputa com o doleiro Lúcio Funaro, um “antigo
contato” de Cunha.
TEXTO DE GANDHI NA DENÚNCIA
Pressionado pelos requerimentos da Câmara, Camargo se reuniu na base aérea do Santos Dumont com o então ministro de Minas e Energia, o hoje senador Edison Lobão (PMDB-MA), para tratar da suposta pressão. O ministro teria ligado para Cunha: “Eduardo, eu estou com o Júlio Camargo aqui ao meu lado, você enlouqueceu?”, teria dito Lobão, segundo a delação de Camargo. “A pressão não cessou”, registra a denúncia.
Na epígrafe da denúncia contra Cunha, Janot destaca trecho de um texto de Ghandi para lembrar do lugar reservado na História a tiranos e assassinos. “Quando me desespero, eu me lembro de que, durante toda a História, o caminho da verdade e do amor sempre ganharam. Têm existido tiranos e assassinos, e por um tempo eles parecem invencíveis, mas no final sempre caem. Pense nisto: sempre”, diz o texto. Cunha é visto como um dos políticos mais poderosos do país.
Segundo a denúncia, os pagamentos para a Assembleia de Deus de Campinas (SP) no valor de R$ 250 mil, foram feitos em 2012. Teria sido o último pagamento de um “resíduo” de propina de US$ 10 milhões, acertado depois de uma reunião no Rio entre Cunha, Baiano e Camargo. Até o celular de Baiano foi rastreado pelos investigadores. Por orientação de Cunha, Baiano indicou a Camargo a necessidade de repasses à igreja. A primeira transferência, de R$ 125 mil, ocorreu em 31 de agosto de 2012, a partir da empresa Piemonte Investiment Corp, usada por Camargo para pagamento de propina. A segunda, de mesmo valor e no mesmo dia, envolveu outra empresa, a Treviso.
“Fernando Soares, por orientação do deputado federal Eduardo Cunha, indicou a Júlio Camargo que deveria realizar o pagamento desses valores à Igreja Evangélica Assembleia de Deus. Segundo Fernando Soares, pessoas dessa igreja iriam entrar em contato com o declarante, o que realmente ocorreu”, diz trecho da denúncia. Janot lembra “a notória” vinculação de Cunha com a igreja.
Segundo a denúncia, pelo aluguel de dois navios, o Sonda Petrobras 100000 e o Vitoria 10000, a Petrobras teria desembolsado US$ 1,2 bilhão
OGLOBO