Crise na Bolívia afeta o Brasil por reforçar temor de investidores sobre a AL

Para os investidores, a região está passando a ideia de que voltou a ser o centro de crises sequenciais e quebras de regras legais e constitucionais. A América Latina passa por uma sequência preocupante de eventos. A radicalização, a polarização no cenário político, as mortes em manifestações no Chile, tudo isso emite a informação de que a região voltou a ser o que era no passado. Instável, cheia de golpes de estado e militares no poder, com uma rotina de quebra de regras. Isso afasta investidores. Entre eles, um grupo cada vez mais dominante tem olhado também a questão ambiental, tema em que o Brasil passa uma imagem ruim. O único país tratado de forma excepcional na região era o Chile. Mas as manifestações das últimas semanas mudaram isso.

O que aconteceu na Bolívia foi um golpe de estado. Uma renúncia, depois que militares mandam renunciar, não é uma saída normal. Por outro lado, Evo Morales desrespeitou a Constituição que ele mesmo promulgara, ao tentar um quarto mandato, após perder o referendo, e além disso a apuração teve várias irregularidades.

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As cenas de ontem dos militares dando ordens ao presidente, e depois da prisão da presidente e do vice-presidente do Tribunal Eleitoral por policiais encapuzados, confirmam que o que houve foi golpe. Mas a Bolívia ainda pode encontrar uma saída negociada e transparente se tiver eleições sob supervisão internacional. Para isso seria muito importante que Brasil e Argentina atuassem como articuladores, mas a diplomacia ideológica brasileira impede uma atuação profissional.

Morales fez bons governos. Foram três mandatos, um deles encurtado por uma convocação de eleição antecipada feita pelo próprio Evo. Foi um período de estabilidade econômica e política na Bolívia, um país marcado pelas trocas bruscas de governo. Na presidência, Evo integrou os índios ao cenário político, reduziu a pobreza, produziu um crescimento médio de 5% ao ano. Triplicou o PIB per capita. A melhora econômica não desculpa sua tentativa de continuismo. O erro dele foi flertar com o caudilhismo. Evo não permitiu o surgimento de novas lideranças e achou que era o único capaz de presidir a Bolívia. E ontem perdeu apoio até de aliados como a COB, a central de trabalhadores bolivianos.

O Brasil tem uma relação econômica importante com a Bolívia. De lá, compramos gás. O governo brasileiro tenta renegociar o contrato para cortar o preço do combustível. É uma etapa do “Novo Mercado de Gás”, o projeto do ministro Paulo Guedes. O contrato negociado pelo governo Lula é considerado favorável demais à Bolívia.

Se o Brasil tivesse hoje um comando profissional da diplomacia, deveria convocar outros países da região para ajudar a transição. A Argentina seria fundamental nesse processo. Mas o Brasil hoje só tem diálogo com a Colômbia aqui na região porque é um governo de direita. O risco agora é de outro período de instabilidade autoritária.

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