Comissão especial aprova redução da maioridade penal para crimes hediondos
Por 21 votos favoráveis e seis contrários, deputados decidem pela proposta de Laerte Bessa (PR-DF)
BRASÍLIA – Sem a presença de manifestantes, a comissão especial instalada na Câmara dos Deputados para discutir a proposta de emenda constitucional (PEC) da redução da maioridade penal aprovou nesta quarta-feira o relatório do deputado Laerte Bessa (PR-DF), favorável à medida. É o segundo relatório que ele apresentou. Inicialmente, Bessa defendia a redução para 16 anos para todos os crimes, mas teve que ceder. O novo relatório, aprovado por 21 votos a seis, restringe a medida apenas para os crimes hediondos, homicídio doloso, lesão corporal grave, lesão corporal seguida de morte e roubo qualificado.
Pouco antes de começar a leitura de seu relatório, Bessa afirmou que desejava punição mais dura para os menores. Quando foi escolhido relator, em abril, em entrevista ao GLOBO, ele tinha defendido a possibilidade de que, dependendo da situação, até mesmo adolescentes de 15 anos ou menos fossem tratados como maiores.
— A minha convicção não é só de baixar de 18 para 16 não. Eu queria pegar mais um pouco, uma lasca desses menores bandidos. Esses criminosos que estão agindo no país hoje impunes. Eu posso dizer que enfrentei por 30 anos bandidos perigosos. Grande parte eram menores. Eu sei o que eu passei da minha vida policial com esses bandidos, que muita gente quer proteger hoje e não sabe, nunca esteve na rua para enfrentar o bandido, o delinquente — afirmou Bessa, que é ex-policial civil.
O deputado Alessandro Molon (PT-RJ), contrário à PEC, voltou a dizer que ela é inconstitucional, por entender que a maioridade aos 18 é cláusula pétrea, ou seja, não pode ser alterada nem por emenda constitucional. Apontou ainda falhas na seleção dos crimes feita pelo relator Laerte Bessa.
— Veja que absurdo. No relatório de Vossa Excelência (Laerte Bessa), se houver por exemplo um rapaz de 16 que aceitar dez reais para levar uma trouxinha de maconha de um lugar para o outro, ele entra na redução da imputabilidade penal. Mas se ele roubar um veículo, se ele organizar uma organização criminosa, se ele for chefe de milícia, se roubar explosivo, se explodir caixa de banco, ele não entra – protestou Molon, que ainda afirmou:
— Se for ouvir a opinião pública, a maior parte acha que essa Casa não deve existir.
Em alguns momentos, o clima da sessão esquentou e parlamentares favoráveis e contrários à proposta elevaram o tom. Sérgio Vidigal (PDT-ES), por exemplo, criticou os deputados que já foram policiais e usam sua condição para defender a redução da maioridade. Alberto Fraga (DEM-DF), coronel da Polícia Militar e coordenador da Frente Parlamentar da Segurança Pública, reagiu e qualificou o comportamento de Vidigal de “babaquice”.
— Lembrem-se: Jesus Cristo foi crucificado porque o povo quis — afirmou Darcísio Perondi (PMDB-RS), contrário à PEC.
Depois da votação do parecer, foi aprovada uma emenda do deputado Weverton Rocha (PDT-MA), que é contrário à PEC. A emenda, porém, não afeta o relatório de Bessa. Estipula que o governo manterá programas destinados ao atendimento socioeducativo e à ressocialização do adolescente em conflito com a lei, e proíbe contingenciar essas verbas.
O diretor para as Américas da Human Rights Watch, Daniel Wilkinson, soltou nota para criticar a aprovação da PEC na comissão especial da Câmara. “O voto da comissão é muito decepcionante. Se for aprovada, a emenda será um grande retrocesso para a proteção dos direitos das crianças no Brasil e só servirá para colocar em risco os esforços do país para reduzir a criminalidade. Nos Estados Unidos, um dos poucos países que trata adolescentes como adultos, vários estudos têm mostrado que processar e julgar adolescentes como adultos só aumenta as chances de cometerem novos crimes após sua libertação”, afirmou Wilkinson.
O diretor para as Américas da Human Rights Watch, Daniel Wilkinson, soltou nota para criticar a aprovação da PEC na comissão especial da Câmara. “O voto da comissão é muito decepcionante. Se for aprovada, a emenda será um grande retrocesso para a proteção dos direitos das crianças no Brasil e só servirá para colocar em risco os esforços do país para reduzir a criminalidade. Nos Estados Unidos, um dos poucos países que trata adolescentes como adultos, vários estudos têm mostrado que processar e julgar adolescentes como adultos só aumenta as chances de cometerem novos crimes após sua libertação”, afirmou Wilkinson.
DEFESA DA PEC
O painel da comissão mostrou no início da sessão a presença de 64 deputados: 26 dos 27 titulares da comissão especial, 19 dos 27 suplentes, além de outros 19 que não participam da comissão. Deputados que defendem a PEC criticaram a tentativa dos que se opõem a
ela de retardar a votação.
— Prefiro mil vezes as cadeias lotadas a encher o cemitério de inocentes – afirmou o deputado Delegado Éder Mauro (PSD-PA).
— Não é possível que, nessa altura do campeonato, digam que não queremos discutir. Quem atropelou aqui não fomos nós. Apresentamos vários requerimentos. Foi cancelado tudo — rebateu Weverton Rocha (PDT-MA).
A comissão começou com a votação de um requerimento apresentado pelo coordenador da Frente Parlamentar da Segurança Pública, Alberto Fraga (DEM-DF). Fraga é favorável à redução da maioridade penal, mas pediu a retirada de pauta do relatório. Embora aparentemente contraditória, a estratégia pode acelerar a votação da proposta, uma vez que a rejeição do requerimento impede a análise de outros requerimentos que retardariam a apreciação da PEC. A comissão, que é majoritariamente favorável à redução, rejeitou o pedido por 21 votos a seis. O próprio Fraga votou contra seu próprio requerimento.
A presença da presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Carina Vitral, gerou protestos de alguns deputados favoráveis à PEC. Ela esteve presente na sessão tumultuada da comissão na quarta-feira passada. No fim, ficou decidido que ela poderia acompanhar a reunião, mas, caso se manifestasse, seria retirada da sala. Também está presente na sessão o ex-deputado Benedito Domingos, autor da primeira proposta de redução da maioridade.
Os manifestantes, principalmente do movimento estudantil, se desentenderam na semana passada com parlamentares e seguranças da Câmara. Eles são contrários à PEC e, em função do tumulto, foram proibidos de acompanhar a sessão desta quarta-feira. Do lado de fora da sala da comissão, manifestantes gritaram por vários momentos as palavras: “Não, não à redução”.
Ontem, diante das resistências ao relatório de Bessa, o PSDB, o PMDB e outros seis partidos fecharam acordo para restringir a lista de crimes afetados pela redução da maioridade. O presidente da Câmara, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), já tinha anunciado que PEC vai a voto no plenário da Câmara ainda este mês.
No seu voto, Bessa lista os crimes em que passa a ocorrer a redução da maioridade. Segundo ele, isso afasta uma das críticas ao relatório anterior. O primeiro texto dizia apenas que haveria a redução para 16 anos. Os críticos à proposta diziam que isso abriria caminho para os adolescentes de 16 e 17 anos beberem e dirigirem, além de livrar de punição quem explora sexualmente jovens nessa faixa etária.
Apesar das mudanças, ele deixou claro no seu texto que preferia uma redação mais rigorosa. “Após muito refletir e ressalvando a minha posição pessoal no sentido de uma redução da maioridade penal mais rigorosa, fui convencido da necessidade de realizar alguns ajustes a fim de que se obtenha um texto que contemple as diversas posições políticas presentes nesta Casa, sem que isso deixe de atender aos anseios da sociedade pela justa punição criminal dos adolescentes em conflito com a lei”, afirmou Bessa no seu relatório.
Outra mudança no texto do relator foi a retirada da previsão de um referendo para que a população seja consultada sobre o assunto. A ideia chegou a ser defendida por vários parlamentares, entre eles Eduardo Cunha. Bessa manteve no relatório a previsão de que os jovens de 16 e 17 anos condenados sejam mantidos em estabelecimentos separados dos mais velhos. Ele não incluiu no seu texto a necessidade de manifestação do Ministério Público sobre se um adolescente que cometeu crime deveria ser julgado como maior. A ideia era defendida pelo PSDB, mas o partido cedeu nesse ponto para viabilizar o acordo.
Além de Bessa, cinco deputados apresentaram votos em separado. O texto de Jutahy Junior (PSDB-BA) é similar ao segundo relatório de Bessa. Outros quatro deputados – todos contrários à redução da maioridade – defenderam a rejeição da PEC.
Para ter validade, a PEC ainda tem de passar por outras etapas. Ela precisa ser aprovada em dois turnos pelo plenário da Câmara, onde tem de angariar o apoio de três quintos dos deputados, ou seja, 308 dos 513. Depois disso, ainda precisa ser votada no Senado. Uma vez aprovada, pode ser promulgada sem ser sancionada pela presidente Dilma Rousseff, que é contrária à PEC. O governo apoia projeto do senador José Serra (PSDB-SP), que aumenta de três para dez anos o tempo máximo de internação de menores que cumprem medidas socioeducativas.
REFERENDO
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) afirmou nesta quarta-feira que mantém sua posição a favor da realização de um referendo após a votação da PEC que reduz a maioridade penal, mas que nem sempre sua posição prevalece nos acordos. Segundo Cunha, muitas vezes, para conseguir o consenso é preciso ceder. O segundo relatório de Bessa, ao contrário do primeira, não prevê a realização de uma consulta popular sobre o assunto.
— O fato de eu ter opinião não quer dizer que todo mundo tenha que seguir minha opinião. Eu não mando no relator, na votação que vai sair. Eu tenho opinião e a gente debate, como qualquer parlamentar. A minha posição é favorável à redução plena da maioridade, com referendo. Agora, se a posição de consenso foi diferente, se for para se buscar acordo, que se busque. A gente busca acordo e não precisa ser 100% do meu pensamento — afirmou Cunha.
Indagado se considerava importante que a população se pronunciasse sobre esse tema, que é muito polêmico, Cunha respondeu:
— Tanto acho que eu propus. Quem propôs isso fui eu.
POR ANDRÉ DE SOUZA E ISABEL BRAGA