Onde esta´a estrategia da Dilma?


Um amigo publicitário costumava usar uma frase para descrever momentos como o atual: “se piorar, piora”. Quando se acha que tudo está perdido, dizia ele, é bom lembrar que “sempre há um gap”, um espaço para que a situação descambe mais um pouco. É grande a vontade de ignorar o noticiário político e econômico, tamanha a quantidade de exemplos cotidianos que comprovam a sabedoria de meu amigo em sua frase. A sensação é que, todo dia, o Brasil piora mais um pouco.

Parece que o governo pretende apresentar hoje um projeto de reforma administrativa, com cortes de cargos e salários.  Note bem: parece. Até agora, pelo visto, a ideia era aumentar uns impostos para apresentar um resultado positivo nas contas públicas e tentar desfazer a gafe absurda que foi entregar ao Congresso um Orçamento com déficit. Quer dizer: o governo – neste caso o ministro Nelson Barbosa, do Planejamento, uma vez que o da Fazenda, Joaquim Levy, sempre pediu mais cortes – acreditava mesmo que era impossível reduzir mais os gastos da máquina estatal. Com seus 40 ministérios, 23 mil cargos comissionados, centenas de estatais envolvidas em atividades que nada têm à ver com a função do Estado, enfim, não é necessário repetir tudo o que já sabemos a respeito da elefantíase do Estado brasileiro, não é mesmo?


Precisou então a desacreditada agência de risco Standard & Poor’s rebaixar a nota de crédito brasileira para a presidente Dilma Rousseff descobrir a gravidade da situação. De acordo com alguns relatos, ela afirma enfim ter se dado conta de que é preciso fazer um movimento de impacto. Na lista de medidas, fora a tal reforma, está a saída do ministro da Casa Civil, Aloysio Mercadante, que nunca se conformou com não ter ocupado a pasta da Fazenda por um só dia em 13 anos de governo do PT (precisa explicar por quê?). Qual a chance de alguém com o retrospecto de Dilma conseguir tomar alguma medida capaz de mitigar minimamente alguma das duas crises – econômica e política – que vivemos?


A situação dela é ainda mais complicada por sua reconhecida falta de traquejo político. “Tenho uma clara estratégia econômica”, afirmou em entrevista ao jornal “Valor Econômico” esta semana. Hein? Tem mesmo? Pois, na entrevista que deu ontem em Paris, o ministro Levy não anunciou rigorosamente nada que conserte a mixórdia orçamentária do governo. Dá para acreditar que existe alguém no Planalto trabalhando em algo crível em matéria de corte de despesas e aumento de receitas para consertar o Orçamento? A cada dia, surge um novo balão de ensaio para testar se esta ou aquela proposta de imposto – CPMF? IR? Cofins? que mais? – tem alguma chance. Previsivelmente, com os humores no estado atual, nada vinga.


Um economista com quem conversei recentemente, com uma grande experiência de atuação no governo, comparou a situação atual às vésperas do Plano Real. Naquela época, disse, foi preciso que a inflação atingisse o ponto de absoluto descalabro, para que o país resolvesse enfim reagir sem o olhar demagógico e populista que contaminou todos os planos econômicos fracassados anteriormente. Agora, segundo ele, é preciso que a situação das contas públicas chegue ao limite da falência, sem que haja nenhum espaço de aumento na carga tributária, para que se torne claro, enfim, aos olhos de todos, que é preciso reduzir o tamanho do Estado brasileiro.


A verdade é que esse enxugamento deveria ter sido feito concomitantemente ou logo depois do Plano Real. O governo na época, até hoje tachado injustamente de “neoliberal” pela esquerda, preferiu – que dúvida? – aumentar impostos. Não enxugou, porque nenhum governo gosta de cortar gastos. São raríssimos os governantes que fazem isso – é o caso da premiê britânica Margaret Thatcher, mas não, ao contrário do que muitos imaginam, do presidente americano Ronald Reagan. Nem os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, muito menos Dilma, tiveram ou têm a convicção necessária para fazê-lo. Todos gostam de defender a ação do governo e suas políticas sociais. De FHC ou Lula, pode-se ao menos dizer que ao menos mantiveram durante vários anos as contas sob controle. Até a trágica gestão do ex-ministro da fazenda Guido Mantega, o mais longevo no cargo, soltar os freios e deixar o trem da economia descarrilar.


A solução, o tal “remédio amargo”, é enxugar a máquina pública e cortar gastos sociais. Isso fica claro no estudo dos economistas Marcos Lisboa, Mansueto Almeida e Samuel Pessoa, citado aqui dias atrás. Ambas medidas são infinitamete mais complexas, em termos políticos, do que o mais ousado plano de combate à inflação. A dificuldade de qualquer governo em cortar gastos se explica pela quantidade de grupos de interesee que dependem desses gastos e exercem pressão política. Eles estão nas associações, sindicatos, ONGs, no Congresso, por toda parte enfim. Para fazer o que é necessário, será preciso enfrentar esses interesses.

É preciso ter uma estratégia clara, um plano que oriente as brigas a comprar, em que ordem – aposentados? funcionários de estatais? beneficiários de aposentadoria rural? financiados pelo BNDES? Sudene? – e a que custo. Não se trata de um trabalho que possa ser feito em alguns dias, ou mesmo semanas. É evidente que Dilma não dispõe de nada parecido, por falta de vontade ou de competência. O máximo que ela pode apresentar será mais uma versão maquiada do Orçamento, com números fictícios que projetem uma trajetória de recuperação. Eles tratarão de ser invariavelmente desmentidos pela realidade – lembre, “sempre há um gap”. Sem uma liderança política hábil, capaz de articular e enfrentar todos esses interesses, é impossível reallizar o enxugamento da máquina pública de que precisamos. O nome dessa liderança, fica mais claro a cada dia, não é Dilma Rousseff.

Deixe um comentário