O dia em que o Jornal O Globo se arrependeu de ter apoiado o Golpe Militar de 1964; veja vídeo do Jornal Nacional

O
dia 31 de agosto de 2013 foi marcado pelo arrependimento do Jornal O
Globo, da família Marinho, por ter apoiado integralmente o Golpe Militar
de 1964, que mergulhou o país em um dos períodos mais duros da
história.

O
arrependimento e reconhecimento do erro em apoiar o golpe militar de
1964, está em editorial divulgado em todos os veículos de comunicação do
Sistema Globo. No entanto, diu que não estava sozinho, pois outros
veículos de comunicação, como Folha e Estado, também deram apoio ao
golpe. 

O editorial foi publicado um dia depois de a emissora ser alvo de um protesto violento de Black
Blocs, que atiraram esterco na emissora.

“À luz da História,
contudo, não há por que não reconhecer, hoje, explicitamente, que o apoio foi
um erro, assim como equivocadas foram outras decisões editoriais do período que
decorreram desse desacerto original”, diz o texto, divulgado hoje pelo
grupo editorial da família Marinho.
No mesmo texto, a Globo afirma que a
democracia “é um valor absoluto”. Mas será que a Globo de hoje, de
fato, respeita a soberania popular ou continua combatendo, com a mesma ênfase
de sempre, governos trabalhistas, como fez com João Goulart, antes de 1964,
Leonel Brizola, no Rio de Janeiro, e, agora, com o ex-presidente Lula e a presidente Dilma Roussef?
Estranhamente,
neste momento em que a democracia corre um sério risco, o Sistema Globo
volta a ser sustentáculo de uma tentativa golpista, com a nítida
contribuição do juiz da Lava Jato, que volta sua artilharia somente
contra os governos petistas, do ex-presidente Lula e de Dilma. A mesma
Globo que se arrependeu de 1964, volta a torcer pelos militares tomando
as ruas do país e contribuindo para golpear o Estado Democrático de
Direito.
Abaixo, o editorial do Globo:
RIO – Desde as manifestações de junho,
um coro voltou às ruas: “A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura”. De fato,
trata-se de uma verdade, e, também de fato, de uma verdade dura.
Já há muitos anos, em discussões
internas, as Organizações Globo reconhecem que, à luz da História, esse apoio
foi um erro.
Há alguns meses, quando o Memória estava
sendo estruturado, decidiu-se que ele seria uma excelente oportunidade para
tornar pública essa avaliação interna. E um texto com o reconhecimento desse
erro foi escrito para ser publicado quando o site ficasse pronto.
Não lamentamos que essa publicação não
tenha vindo antes da onda de manifestações, como teria sido possível. Porque as
ruas nos deram ainda mais certeza de que a avaliação que se fazia internamente
era correta e que o reconhecimento do erro, necessário.
Governos e instituições têm, de alguma
forma, que responder ao clamor das ruas.
De nossa parte, é o que fazemos agora,
reafirmando nosso incondicional e perene apego aos valores democráticos, ao
reproduzir nesta página a íntegra do texto sobre o tema que está no Memória, a
partir de hoje no ar:
1964
“Diante de qualquer reportagem ou
editorial que lhes desagrade, é frequente que aqueles que se sintam
contrariados lembrem que O GLOBO apoiou editorialmente o golpe militar de 1964.
A lembrança é sempre um incômodo para o
jornal, mas não há como refutá-la. É História. O GLOBO, de fato, à época,
concordou com a intervenção dos militares, ao lado de outros grandes jornais,
como “O Estado de S.Paulo”, “Folha de S. Paulo”, “Jornal do Brasil” e o
“Correio da Manhã”, para citar apenas alguns. Fez o mesmo parcela importante da
população, um apoio expresso em manifestações e passeatas organizadas em Rio,
São Paulo e outras capitais.
Naqueles instantes, justificavam a
intervenção dos militares pelo temor de um outro golpe, a ser desfechado pelo
presidente João Goulart, com amplo apoio de sindicatos — Jango era criticado
por tentar instalar uma “república sindical” — e de alguns segmentos das Forças
Armadas.
Na noite de 31 de março de 1964, por
sinal, O GLOBO foi invadido por fuzileiros navais comandados pelo Almirante
Cândido Aragão, do “dispositivo militar” de Jango, como se dizia na época. O
jornal não pôde circular em 1º de abril. Sairia no dia seguinte, 2,
quinta-feira, com o editorial impedido de ser impresso pelo almirante, “A
decisão da Pátria”. Na primeira página, um novo editorial: “Ressurge a
Democracia”.
A divisão ideológica do mundo na Guerra
Fria, entre Leste e Oeste, comunistas e capitalistas, se reproduzia, em maior
ou menor medida, em cada país. No Brasil, ela era aguçada e aprofundada pela
radicalização de João Goulart, iniciada tão logo conseguiu, em janeiro de 1963,
por meio de plebiscito, revogar o parlamentarismo, a saída negociada para que
ele, vice, pudesse assumir na renúncia do presidente Jânio Quadros. Obteve,
então, os poderes plenos do presidencialismo. Transferir parcela substancial do
poder do Executivo ao Congresso havia sido condição exigida pelos militares
para a posse de Jango, um dos herdeiros do trabalhismo varguista. Naquele
tempo, votava-se no vice-presidente separadamente. Daí o resultado de uma
combinação ideológica contraditória e fonte permanente de tensões: o presidente
da UDN e o vice do PTB. A renúncia de Jânio acendeu o rastilho da crise
institucional.
A situação política da época se
radicalizou, principalmente quando Jango e os militares mais próximos a ele
ameaçavam atropelar Congresso e Justiça para fazer reformas de “base” “na lei
ou na marra”. Os quartéis ficaram intoxicados com a luta política, à esquerda e
à direita. Veio, então, o movimento dos sargentos, liderado por marinheiros —
Cabo Ancelmo à frente —, a hierarquia militar começou a ser quebrada e o
oficialato reagiu.
Naquele contexto, o golpe, chamado de
“Revolução”, termo adotado pelo GLOBO durante muito tempo, era visto pelo
jornal como a única alternativa para manter no Brasil uma democracia. Os
militares prometiam uma intervenção passageira, cirúrgica. Na justificativa das
Forças Armadas para a sua intervenção, ultrapassado o perigo de um golpe à
esquerda, o poder voltaria aos civis. Tanto que, como prometido, foram
mantidas, num primeiro momento, as eleições presidenciais de 1966.
O desenrolar da “revolução” é conhecido.
Não houve as eleições. Os militares ficaram no poder 21 anos, até saírem em
1985, com a posse de José Sarney, vice do presidente Tancredo Neves, eleito
ainda pelo voto indireto, falecido antes de receber a faixa.
No ano em que o movimento dos militares
completou duas décadas, em 1984, Roberto Marinho publicou editorial assinado na
primeira página. Trata-se de um documento revelador. Nele, ressaltava a atitude
de Geisel, em 13 de outubro de 1978, que extinguiu todos os atos
institucionais, o principal deles o AI5, restabeleceu o habeas corpus e a
independência da magistratura e revogou o Decreto-Lei 477, base das
intervenções do regime no meio universitário.
Destacava também os avanços econômicos
obtidos naqueles vinte anos, mas, ao justificar sua adesão aos militares em
1964, deixava clara a sua crença de que a intervenção fora imprescindível para
a manutenção da democracia e, depois, para conter a irrupção da guerrilha
urbana. E, ainda, revelava que a relação de apoio editorial ao regime, embora
duradoura, não fora todo o tempo tranquila. Nas palavras dele: “Temos
permanecido fiéis aos seus objetivos [da revolução], embora conflitando em várias
oportunidades com aqueles que pretenderam assumir a autoria do processo
revolucionário, esquecendo-se de que os acontecimentos se iniciaram, como
reconheceu o marechal Costa e Silva, ‘por exigência inelutável do povo
brasileiro’. Sem povo, não haveria revolução, mas apenas um ‘pronunciamento’ ou
‘golpe’, com o qual não estaríamos solidários.”
Não eram palavras vazias. Em todas as
encruzilhadas institucionais por que passou o país no período em que esteve à
frente do jornal, Roberto Marinho sempre esteve ao lado da legalidade. Cobrou
de Getúlio uma constituinte que institucionalizasse a Revolução de 30, foi
contra o Estado Novo, apoiou com vigor a Constituição de 1946 e defendeu a
posse de Juscelino Kubistchek em 1955, quando esta fora questionada por setores
civis e militares.
Durante a ditadura de 1964, sempre se
posicionou com firmeza contra a perseguição a jornalistas de esquerda: como é
notório, fez questão de abrigar muitos deles na redação do GLOBO. São muitos e
conhecidos os depoimentos que dão conta de que ele fazia questão de acompanhar
funcionários de O GLOBO chamados a depor: acompanhava-os pessoalmente para
evitar que desaparecessem. Instado algumas vezes a dar a lista dos “comunistas”
que trabalhavam no jornal, sempre se negou, de maneira desafiadora.
Ficou famosa a sua frase ao general
Juracy Magalhães, ministro da Justiça do presidente Castello Branco: “Cuide de
seus comunistas, que eu cuido dos meus”. Nos vinte anos durante os quais a
ditadura perdurou, O GLOBO, nos períodos agudos de crise, mesmo sem retirar o
apoio aos militares, sempre cobrou deles o restabelecimento, no menor prazo
possível, da normalidade democrática.
Contextos históricos são necessários na
análise do posicionamento de pessoas e instituições, mais ainda em rupturas institucionais.
A História não é apenas uma descrição de fatos, que se sucedem uns aos outros.
Ela é o mais poderoso instrumento de que o homem dispõe para seguir com
segurança rumo ao futuro: aprende-se com os erros cometidos e se enriquece ao
reconhecê-los.
Os homens e as instituições que viveram
1964 são, há muito, História, e devem ser entendidos nessa perspectiva. O GLOBO
não tem dúvidas de que o apoio a 1964 pareceu aos que dirigiam o jornal e
viveram aquele momento a atitude certa, visando ao bem do país.
À luz da História, contudo, não há por
que não reconhecer, hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro, assim como
equivocadas foram outras decisões editoriais do período que decorreram desse
desacerto original. A democracia é um valor absoluto. E, quando em risco, ela
só pode ser salva por si mesma.”



 

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