A trajetória (e os enroscos) de Cunha em 8 atos e um mistério
14/09/2016
Ex-presidente da Câmara teve o mandato cassado nesta segunda-feira por 450 votos a 10, uma derrota e tanto para aquele que manobrou como poucos o plenário
Eduardo Cunha faz sua defesa no plenário da Câmara dos Deputados antes do início da votação que decide pela sua cassação – 12/09/2016 (Adriano Machado/Reuters)
Da participação na campanha de Fernando Collor em 1989 à cassação ontem, passando por e escândalos e vitórias, confira nesta lista a trajetória de Eduardo Cunha, o mais poderoso presidente que passou pela Câmara nas últimas décadas.
Publicidade
1. Afilhado de Collor
(Frederico Rozário/Folhapress)
Formado em Economia, Eduardo Cunha entrou na política em 1989, pelas mãos de ninguém menos que o ex-presidente Fernando Collor de Melo, em cuja campanha o agora ex-deputado federal trabalhou ao lado do notório PC Farias, tesoureiro de Collor assassinado em circunstâncias obscuras em 1996. Chamado por Farias de “papabiru”, mistura de papagaio (referência ao nariz avantajado) com gabiru (referência pequeno rato da fauna nordestina, conhecido pela esperteza), Cunha já mostrava àquela altura um predicado pelo qual se notabilizaria nos tempos de poder: conhecimento profundo de leis e regimentos. Silvio Santos que o diga. Foi de Cunha a responsabilidade pela descoberta de uma incompatibilidade no registro da candidatura do homem do Baú, que por isso acabou fora da disputa à presidência em 1989. Cunha chegou a ser autuado por participação no esquema de corrupção coordenado pelo ex-tesoureiro de Collor, mas as apurações contra ele foram arquivadas no STF.
2. Escândalos na Telerj
(Frederico Rozário/Folhapress)
O trabalho na campanha de Collor foi reconhecido pelo então presidente. Cunha foi nomeado para a presidência da Telerj, antiga estatal estadual de telecomunicações do Rio de Janeiro. Durante sua gestão, entre 1992 e abril de 1993, o Tribunal de Contas da União (TCU) descobriu irregularidades na contratação de servidores sem concurso, tratamento privilegiado a fornecedores e falhas na licitação para a edição de catálogos telefônicos. Em seus Diários da Presidência, ao relatar que deputados fluminenses tinham a intenção de nomear Cunha a uma diretoria da Petrobras, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso escreveu: “o Eduardo Cunha foi presidente da Telerj, nós o tiramos de lá no tempo de Itamar porque ele tinha trapalhadas, ele veio da época do Collor (…) Enfim, não cedemos à nomeação”. Foi durante sua passagem pela Telerj, a propósito, que Cunha conheceu sua mulher, a jornalista Cláudia Cruz, ré por lavagem de dinheiro na Lava Jato. Era de Cláudia a “voz da Telerj” nos anos 1990
. Escândalo na Cehab
(Paulo Araújo/Dedoc)
Apeado da Telerj, Cunha se filiou ao PPB (atual PP) em 1995 e tentou se eleger deputado estadual em 1998, mas entrou apenas na suplência. Ele ficou sem cargo público até 1999, quando foi nomeado presidente da Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro (Cehab) no governo de Anthony Garotinho, de quem era aliado. Até deixar a companhia estadual, em 2000, Eduardo Cunha foi acusado de direcionar uma licitação para beneficiar a Grande Piso, àquela altura uma pequena empresa. Durante o período em que Cunha esteve à frente da Cehab, no entanto, a Grande Piso ganhou quatro contratos com a companhia e se tornou uma construtora. O dono da empresa, Roberto Sass, era membro do PRN, partido pelo qual Fernando Collor se elegeu em 1992 e em cuja campanha Cunha trabalhou. O processo por improbidade administrativa contra Cunha prescreveu no STJ em 2015.
4. Evangélico e eleito
(Pedro Ladeira/Folhapress)
Ainda no período pós-Telerj, enquanto estreitava laços políticos como Francisco Dornelles, atual governador interino fluminense, Cunha se aproximou também do líder evangélico Francisco Silva, dono da Rádio Melodia FM, onde o peemedebista tem um programa diário até hoje. Silva, a propósito, era o secretário de Habitação que costurou a ida de Cunha à Cehab. Já evangélico (apesar do passado de baterista de rock), Cunha foi beneficiado por uma manobra de Garotinho e assumiu uma vaga na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), em 2001. Candidato a deputado federal em 2002 com o apoio do governador, elegeu-se com 101.495 votos.
5. Presidência da Câmara
(VEJA.com/Reuters)
A influência de Eduardo Cunha cresceu nos bastidores da Câmara ao longo do governo do ex-presidente Lula, entre 2003 e 2010, e o primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, de 2010 a 2014. Com bom trânsito entre empresários e banqueiros, o deputado se notabilizou por distribuir doações eleitorais a campanhas de colegas necessitados. Da “generosidade”, o peemedebista arregimentou a chamada “bancada do Cunha”, grupo de deputados que seguiam suas orientações e passaram a ser pedra no sapato de Dilma no Congresso já no fim de seu primeiro mandato no Planalto. Após apoiar o tucano Aécio Neves nas eleições de 2014, engrossando o movimento “Aezão” no Rio (Aécio presidente + Luiz Fernando Pezão governador), Cunha se lançou como candidato à presidência da Câmara contra o petista Arlindo Chinaglia, candidato do Planalto na disputa. Eduardo Cunha recebeu 267 votos e venceu em primeiro turno.
6. Contas no exterior
(Dida Sampaio/Estadão Conteúdo)
Após fazer campanha prometendo que a Câmara não seria subserviente ao Planalto, Eduardo Cunha assumiu o comando da Casa e passou a influenciar sucessivas derrotas do governo em votações. A trajetória do então todo-poderoso presidente da Câmara, que chegou a fazer pronunciamentos em rede nacional na TV, passou a declinar a partir de julho de 2015, quando o lobista e delator da Operação Lava Jato Júlio Camargo revelou que Cunha havia recebido 10 milhões de dólares em propina referente a um navio-sonda da Petrobras. Segundo o Camargo, o dinheiro foi pago a Cunha no exterior por intermédio do operador Fernando Baiano. Dois meses depois das revelações do lobista, em outubro, a Procuradoria-Geral da República confirmou a existência de duas contas pertencentes a Cunha na Suíça.
7. Pego na mentira, réu e afastado
(Adriano Machado/Reuters)
Diante das informações da PGR de que o então presidente da Câmara tinha contas no exterior, seus colegas não demoraram a se lembrar de que, em audiência espontânea na CPI da Petrobras, em março de 2015, Cunha negou ter contas no exterior. Pela mentira aos pares, partidos como PSOL e Rede ingressaram com uma representação contra Eduardo Cunha no Conselho de Ética da Câmara por quebra de decoro parlamentar. Acuado com o avanço do processo na Casa, Cunha acabou deflagrando o processo de impeachment contra Dilma Rousseff, que encerrou o mandato da ex-presidente e levou Michel Temer (PMDB) ao Planalto. Enquanto o então presidente da Câmara virava réu em duas ações penais no STF e era afastado do cargo e do mantado pelo Supremo, o processo contra ele no Conselho de Ética se arrastava com manobras de sua tropa de choque.
8. Cunha Cassado
(Dida Sampaio/Estadão Conteúdo)
Do início do processo até a votação que ontem cassou o mandato de Eduardo Cunha por 450 votos a 10, foram onze meses. Trata-se do processo de cassação mais longevo da história da Câmara. Ao se ver sem qualquer apoio entre os colegas e o Planalto, Cunha atirou contra o governo de Michel Temer, o PT e até a TV Globo. Ele afirma que sua cassação fortalece a tese do “golpe” propagada por petistas.
9. O próximo capítulo
(JOEL RODRIGUES/FRAMEPHOTO/Estadão Conteúdo)
Cassado e sem foro privilegiado, o que significa que deve ser julgado por Sergio Moro na Lava Jato, Eduardo Cunha diz descartar uma delação premiada. O ex-deputado promete, no entanto, escrever um livro em que contará bastidores do impeachment de Dilma Rousseff e revelará conversas que reconstruirão o processo. Ele garante nunca ter gravado interlocutores. Cunha diz que, sem mandato, terá mais tempo para se dedicar à obra e buscar uma editora disposta a encampar o projeto.