Por que pacientes com Covid precisam de oxigênio?
O coronavírus Sars-CoV-2, que causa a Covid-19, causa uma inflamação no pulmão. Isso faz com que ele não consiga mais transferir de forma eficaz o oxigênio que a pessoa respira para dentro do sangue e das células.
Quando isso acontece, a saturação de oxigênio – a concentração dele no sangue – começa a cair. O percentual normal de saturação fica entre 95% e 99%. Quando a pessoa não respira direito, esse índice começa a cair. A intubação, assim como outros métodos de aporte de oxigênio, ajudam a recuperar a saturação de oxigênio no sangue – por isso são tão importantes para pacientes com Covid.
“O aparelho de ventilação mantém as funções vitais enquanto a doença vai ser eliminada pelo sistema imunológico do paciente. Quem elimina o vírus são os anticorpos do paciente. Como ele precisa de até 15 dias para fazer isso, eu preciso manter o paciente sob esse oxigênio até 15 dias”, explica Carlos Carvalho, diretor da divisão de Pneumologia do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da USP e responsável pela UTI respiratória do hospital.
“Se falta oxigênio para a máquina, falta oxigênio para o pulmão da pessoa. Não tendo oxigênio, as células não vão produzir energia e elas vão morrer. As células de todos os órgãos vitais vão morrer e o paciente vai a óbito”, afirma Carvalho.
O médico anestesiologista André Saijo, que trabalhou em UTIs com pacientes de Covid em São Paulo na primeira fase da pandemia, explica que as doenças pulmonares em que a oxigenação do sangue é diminuída – por exemplo, a Covid – podem causar ou não uma queda de saturação.
“A saturação de oxigênio medida pelo oxímetro de pulso é um valor indireto da quantidade de oxigênio que o sangue está levando do pulmão para os órgãos. Por exemplo: se o valor vier 95%, quer dizer que as hemácias estão conseguindo carregar oxigênio com 95% da sua capacidade máxima de carregamento. Uma saturação baixa infere que as hemácias não estão carregando oxigênio de forma adequada, o que pode ou não gerar problemas pro corpo”, esclarece Saijo.
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“A primeira resposta do corpo a uma queda de saturação é aumentar a frequência respiratória. Se, mesmo assim, não houver melhora da oxigenação, as inspirações ficam mais profundas com a utilização de outros músculos do tórax, o que conseguimos visualizar como o desconforto respiratório”, diz o anestesiologista.
“A longo prazo – é difícil quantificar porque depende de cada pessoa e cada doença –, isso evolui pro quadro de fadiga respiratória, que é quando a pessoa não tem mais força pra fazer as inspirações da forma necessária para manter uma oxigenação do sangue satisfatória. A maioria das intubações que acontecem pela Covid são devido a essa fadiga respiratória”, explica o médico.
Num ambiente normal, a porcentagem de oxigênio que existe no ar e entra no pulmão é de 21%. Isso significa dizer que, a cada 100 litros de ar que uma pessoa normal respira, 21 litros são de oxigênio e o resto, de outros gases.
Quanto mais grave for a incidência respiratória, maior a concentração de oxigênio o médico tem que administrar.
“Uma forma de melhorar o desconforto respiratório de uma pessoa é oferecer uma quantidade maior que esses 21% de oxigênio que tem no ar ambiente, facilitando então o abastecimento das hemácias no pulmão e, consequentemente, aumentando a saturação. Existem diversas formas de oferecer oxigênio, que vão desde o catéter nasal até a intubação”, completa André Saijo.
‘Coisa de vida ou morte’
Homem chora na porta do Hospital 28 de Agosto, em Manaus, em meio a desabastecimento de oxigênio na cidade durante novo surto de Covid-19 na quinta-feira, 14 de janeiro. — Foto: Michael Dantas/AFP
O médico Valmir Crestani Filho, também do Hospital das Clínicas da USP, descreve a falta de oxigênio em Manaus como uma “catástrofe”.
“Se você precisa ser intubado, a sua mortalidade é entre 30% e 40%. Se você apenas precisa do oxigênio, naquele catéter que fica no nariz, ou se você usa uma máscara, a sua mortalidade é entre 20% e 25%”, explica.
“Só que o oxigênio nesses pacientes não é um tratamento a mais, como é o corticoide, e como é a anticoagulação profilática. Ele é uma coisa de vida ou morte”, frisa Crestani Filho. “Nesse grupo em que morreriam 25% com oxigênio, a mortalidade pode chegar a até 100% se você ficar sem o oxigênio. Foi isso o que aconteceu em várias unidades lá em Manaus. Nos intubados, é uma catástrofe que nem se discute”, diz.
Ele chama atenção para a situação dos pacientes que não estavam intubados.
“Você tinha 30, 40, 50, 60 pacientes usando oxigênio mas que não estavam intubados, e aí foi cortando o suplemento de oxigênio e eles começaram a piorar rapidamente. Vários morreram. Muitos pacientes que não iriam morrer – porque nesse grupo a mortalidade é de 25% – morreram em decorrência da falta do oxigênio”, afirma.
“Então, não tem muito espaço para essa discussão ‘ah, esse paciente ia morrer de qualquer jeito'”, explica Crestani Filho.
“Na UTI que eu cuido aqui, a gente tinha 2 pacientes intubados e 8 pacientes com oxigênio. Esses 8 de oxigênio, se ficassem 24h sem, morreriam. Essa que é a tragédia. A causa da morte, ali, ele não morreu por Covid, porque ele não morreria por Covid. Ele morreu por asfixia, morreu por falta de oxigênio”, afirma.
Por Lara Pinheiro e Mariana Garcia, G1